terça-feira, 12 de maio de 2015

Entrevistas

Quando falamos de Educação, lembramos alguns teóricos e professores, contemporâneos e mais antigos, mas que têm muito a ensinar, nós professores, professores em formação, aos alunos e principalmente aos pais dos alunos.
Coletamos algumas entrevistas com algum destes GRANDES teóricos e professores.

ENTREVISTAS



Entrevista com Emilia Ferreiro
Para a psicolinguista argentina, o que se espera de um leitor muda com o tempo. Na era da internet, seletividade e rapidez são características essenciais
Nos anos 70, ela revolucionou a alfabetização ao explicar como as crianças aprendem. Passou a defender a utilização de textos variados, em substituição às cartilhas. Após a polêmica inicial, suas teses se tornaram referência internacional. A fama não a desviou, no entanto, da preocupação em desvendar o processo de aquisição da leitura e da escrita. Aos 64 anos, Emilia Ferreiro agora avalia a interferência das inovações trazidas pela internet. "Todo profissional deve querer saber sempre mais", ensina. "Se não há inquietude, repetimos coisas que podem estar ultrapassadas." Em abril, a psicolingüista argentina (que vive no México) passou pelo Brasil e concedeu a seguinte entrevista a NOVA ESCOLA.
No livro Cultura Escrita e Educação, a senhora afirma que adora pesquisar e descobrir que entendeu algo que a intrigava. O que a deixa intrigada atualmente?

EMILIA FERREIRO Continuo tentando compreender melhor o funcionamento dos sistemas e das tecnologias de escrita. Indagações surgem a respeito dos modos de comunicação e estilos que estão sendo criados. Um exemplo é o chat, que parece um intercâmbio informal, cara a cara, só que por texto. Outro é o e-mail, que não é uma carta em papel nem um telegrama. Essas novas formas de diálogo possuem propriedades que não conhecemos. São temas a ser pesquisados, assim como a interface entre a aquisição da escrita com letras e com números...

Como isso se dá?

EMILIA FERREIRO As duas são ensinadas simultaneamente porque a escola e o ambiente pedem. Já conhecemos bastante o sistema de aquisição da leitura com letras e a maneira de escrever números em situações vinculadas a representações de quantidade. Quero averiguar como se descobre quando usar um ou outro. Quando escrevo casa, leio casa e posso traduzir para house, se souber inglês. No entanto, se escrevo 5, posso ler cinco ou five. Nesse caso não está escrito o nome do número mas o sentido que ele passa. E esse sentido pode ser passado em qualquer língua. Não posso redigir a palavra casa com números, mas a palavra cinco posso escrever também com um algarismo. É interessante ver como crianças muito pequenas, de 4 ou 5 anos, lidam com isso. 

O professor deve tentar desvendar problemas em seu dia-a-dia? 

EMILIA FERREIRO Não. O ofício do pesquisador e o do professor são distintos. Digo isso porque exerço os dois. Quando estou ensinando, minha atitude sobre os problemas é diferente da que tenho quando estou pesquisando. É importante ensinar os alunos a pesquisar, mas isso é parte de meu trabalho de professora. 

Mas não é também papel do docente buscar novos conhecimentos? 

EMILIA FERREIRO Com certeza. Só que isso é diferente de pesquisar. Querer saber sempre mais deve ser próprio de qualquer profissional. Um médico também tem de se atualizar e não se contentar com o que aprendeu na universidade. Se não há uma certa inquietude em continuar descobrindo coisas novas terminamos repetindo as antigas — e o que era válido há vinte anos não continua necessariamente bom hoje.

O significado de saber ler e escrever também muda com o tempo?

EMILIA FERREIRO Usamos esses mesmos verbos na Grécia clássica, na Idade Média, na revolução industrial ou na era da internet. Por isso, temos a impressão de que designam a mesma coisa. O real significado, no entanto, vem se modificando. Ambos têm a ver com marcas visuais, mas o que se espera do leitor é determinado socialmente, numa certa época ou cultura. Na Antigüidade clássica não se esperava o mesmo que no século XVIII, nem o que se espera agora. 

O que determina a eficiência de um leitor na era da internet? 

EMILIA FERREIRO O trabalho na internet exige rapidez na leitura e muita seletividade, porque não se pode ler tudo o que está na tela. E a capacidade de selecionar não é algo que, há alguns anos, fosse uma exigência importante na formação do leitor. No contexto escolar, não tinha lugar preponderante mesmo. Na rede mundial de computadores, as páginas estão cheias de coisas que não têm relação com o que procuro e existe a possibilidade de um texto me conduzir a outros por meio de um click. Além disso, quando tenho um livro em mãos e o abro em qualquer página, sei claramente se é o começo, o meio ou o fim. Quando abro uma página na internet nem sempre tenho noção de onde estou.

Mas os jovens têm facilidade para se adaptar a essas mudanças... 

EMILIA FERREIRO Eles aprenderam a usar a internet sozinhos e rapidamente, sem instrução escolar nem paraescolar. Eles conhecem essa tecnologia melhor que os adultos — os alunos sabem mais do que seus mestres. Essa é uma situação de grande potencial educativo, porque o professor pode dizer: "Sobre isso eu não sei nada. Você me ensina?" A possibilidade de uma relação educativa realmente dialógica é fantástica. Mas o docente não está acostumado a fazer isso e, num primeiro momento, fica com muito medo de não poder ensinar. Em casa, ele recorre aos filhos. No espaço público, na escola, ele tem mais dificuldades.

Além da questão tecnológica, existe a da língua. A senhora acha que quem não souber inglês será um analfabeto nesta era da internet? 

EMILIA FERREIRO É preciso aprender o inglês, sem dúvida, mas não só esse idioma. Nestes tempos de globalização, vemos ao mesmo tempo um movimento de homogeneização (de um lado) e grupos que manifestam um desejo de manter a própria identidade (de outro). As duas coisas estão funcionando simultaneamente. No início da internet tínhamos a impressão de que ela seria uma das tantas maneiras de converter o inglês na única língua de comunicação. Hoje a situação mudou bastante. Há cada vez mais uma diversidade de idiomas na rede. Temos duas direções a seguir: consultar somente sites na nossa língua ou tomar consciência de que a rede nos dá acesso, por exemplo, a jornais escritos em países distintos — e procurar entendê-los.

Voltando à alfabetização, o livro Psicogênese da Língua Escrita foi lançado no Brasil em 1985 e causou uma revolução. Como a senhora avalia a repercussão da teoria ali contida?

EMILIA FERREIRO As mudanças educativas são lentas. É muito fácil transformar uma escola pequena, privada, que tenha desejo de evolução. Mas num sistema educativo municipal ou estadual é mais difícil. Tendo em conta a complexidade da realidade brasileira e levando em consideração que a difusão da teoria não foi similar em todas as regiões, eu diria que já aconteceram muitas coisas por aqui. 

Quais as mais significativas? 

EMILIA FERREIRO No Brasil havia uma espécie de obsessão em montar turmas homogêneas. Tenho a impressão de que esse não é mais um problema. E se isso realmente aconteceu, é um grande avanço. A homogeneidade é um mito que nunca se alcança. Eu posso aplicar uma prova, dizer que vinte estudantes são iguaizinhos e colocá-los todos juntos para trabalhar. Daqui a uma semana eles não serão mais iguais, porque os ritmos de desenvolvimento são muito variados. Uma coisa são os ritmos individuais, outra, as etapas de desenvolvimento. 

Com relação às etapas de desenvolvimento, você crê que sua importância já foi assimilada?

EMILIA FERREIRO Num primeiro momento, houve apenas a troca de rótulos. Os fracos passaram a ser chamados de pré-silábicos. Os que estavam no meio do processo eram os silábicos e os que eram fortes foram classificados como alfabéticos. Alguns anos depois ficou mais claro que os rótulos novos permitiam ver de outra maneira o progresso das crianças, mostravam que elas estavam aprendendo. É desesperador estar diante de um aluno e dizer "ele não sabe", "ele ainda não sabe". Quando se pode visualizar as mudanças como um progresso na aprendizagem, tudo muda. Primeiro porque o esforço de aprender é reconhecido; segundo porque há a satisfação de ver avanços onde antes não se enxergava nada. 

Ainda hoje chegam cartas à redação de NOVA ESCOLA perguntando qual a idade ideal para iniciar a alfabetização...

EMILIA FERREIRO Constatei que, atuando de forma inteligente, pode-se alfabetizar aos 5 anos, aos 6 ou aos 7. É preciso oferecer oportunidade para os menores. Alguns vão aprender muito, outros nem tanto. A idéia de que eu, adulto, determino a idade com que alguém vai aprender a escrever é parte da onipotência do sistema escolar que decide em que dia e a que horas algo vai começar. Isso não existe. As crianças têm o mau costume de não pedir permissão para começar a aprender. 

O que um alfabetizador não pode deixar de fazer em classe?

EMILIA FERREIROLer em voz alta. Especialmente se as turmas forem pobres, vindas de lugares em que há poucas pessoas letradas. Essa poderá ser a primeira vez que ela passa por uma experiência assim. O texto, no entanto, tem de ser bom e lido com convencimento. Esse aluno de 6 ou 7 anos vai presenciar um ato quase mágico. Vai escutar um idioma conhecido e ao mesmo tempo desconhecido, porque a língua, quando escrita, é diferente. Essa maneira de trabalhar é muito melhor do que usar as cartilhas e as famílias silábicas. 

As cartilhas, aliás, já não são usadas como antigamente.

EMILIA FERREIRO Certa vez um editor brasileiro me acusou de estar arruinando o negócio de cartilhas, e parece que ele tinha razão. Se tenho mesmo relação com a queda na produção desses livros, estou muito orgulhosa. Eles eram de péssima qualidade, horríveis, assustadores. Eram pura bobagem. Apesar disso, há vinte anos parecia um sacrilégio, no Brasil, dizer que a família silábica não era a melhor maneira de trabalhar. Tenho a impressão de que isso mudou e de que esse é um caminho sem volta. Para ensinar a ler e escrever é necessário utilizar diferentes materiais. Um livro só não basta. É preciso utilizar livro, revista, jornal, calendário, agenda, caderno, um conjunto de superfícies sobre as quais se escreve. A maneira como um jornal é redigido não é a mesma que se encontra num livro de Geografia ou História. 

Como deve agir o professor em áreas rurais, onde o contato com a língua escrita é muito menor? 

EMILIA FERREIRO Ele não pode desperdiçar nem um minuto do tempo em que sua turma está na escola, porque cada minuto é muito precioso. Terminado o período da aula, o contato com a escrita quase desaparece, sobretudo se for numa região em que não haja maquinários sofisticados, que exigem a leitura de manuais, ou onde materiais impressos praticamente não existam.

Como a senhora avalia a alfabetização na América Latina? 

EMILIA FERREIRO A América Latina está conseguindo levar praticamente todas as crianças para a escola, mas nem todas continuam estudando nem aprendem algo que justifique sua permanência ali.

Ou seja, ainda há o risco de o continente continuar formando analfabetos funcionais. 

EMILIA FERREIRO Esse problema ocorre no mundo inteiro, ainda que com nomes diferentes. Na França, por exemplo, há uma distinção entre o iletrado e o analfabeto. Este não teve uma escolaridade suficientemente prolongada. O primeiro teve essa oportunidade, mas não pratica nem a leitura nem a escrita. Então, poucos anos mais tarde, lê com dificuldade e evita escrever. Países que já resolveram o problema da escolaridade obrigatória têm iletrados; os que não possibilitaram à população a escolaridade básica têm analfabetos. 

O Brasil encontrou o caminho para combater esse problema? 

EMILIA FERREIRO No Brasil, aparentemente, está em curso uma mudança sensível em relação à escolarização. Muito mais crianças e jovens em idade escolar estão nas salas de aula. Esse é o primeiro passo. Agora, vem o mais importante: desafio da qualidade, da aprendizagem. Não basta ocupar todas as carteiras. É preciso ensinar.
Quer saber mais?
Cultura Escrita e Educação, Emilia Ferreiro, 179 págs., Ed. Artmed, tel. (51) 330-3444, 24 reais 

Psicogênese da Língua Escrita, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, 300 págs., Ed. Artmed, 36 reais




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ENTREVISTA: MÁRIO SÉRGIO CORTELLA

Reflexões sobre a educação

Cortella já foi secretário de Educação em São Paulo e trabalhou com Paulo Freire. Ele acredita que o Brasil só conseguirá melhorar sua educação básica se investir na educação de jovens e adultos.

Por Luiza Oliva
Mário Sérgio Cortella é humilde. Ao ser questionado sobre por que suas palestras são um sucesso, ele diz que elas são muito bem divulgadas. Quem já o ouviu falar, porém, sabe que a presença maciça em suas apresentações é garantida por muito mais do que uma boa divulgação. Ouvir Mário Sérgio Cortella é um prazer. Ele é graduado em Filosofia, mestre e doutor em Educação pela PUC-SP, além de professor-titular da pós-graduação em Educação (Currículo) pela PUC-SP. Tem conhecimento e erudição de sobra e nunca parece arrogante. Pelo contrário, seus ouvintes se identificam com suas histórias e suas tiradas bem-humoradas. “Misturo um pouco a minha formação pedagógica e o trabalho de educador com a questão da mídia”, conta. Cortella há 15 anos participa como debatedor do Programa Paulo Lopes, durante 10 anos transmitido pela Rádio Globo e desde 2001 pela Rádio Capital de São Paulo. Na TV, apresenta a série Diálogos Impertinentes, uma iniciativa da PUC-SP, Folha de São Paulo e SESC, transmitido pela rede SescSenac de televisão. 

Cortella diz que estar na mídia foi uma escolha deliberada. “A mídia é uma ferramenta pedagógica poderosíssima. Além do meu trabalho acadêmico, como professor no mestrado, no doutorado, escolhi estar na mídia intencionalmente. Eu acho que ciência é comunicação. Alguns colegas brincam comigo que isso tem uma marca de narcisismo, o que sem dúvida é verdade também. A docência é um ramo do show business. Todo mundo que gosta de trabalhar exposto aprecia o espetáculo. Todo docente atua com as pessoas olhando, é uma forma de exposição”, acredita.

Na última Bienal do Livro, que aconteceu em março, em São Paulo, Cortella lotou o Salão de Idéias, um espaço que reuniu autores e seu público. No encontro, os leitores de Cortella puderam conhecer melhor as idéias que apresenta em seu último livro, lançado na Bienal: Não nascemos prontos! Provocações Filosóficas, pelo selo Vozes Nobilis, da Editora Vozes. São crônicas em que ele discute temas diversos à luz da filosofia. Em pequenos ensaios, Cortella relaciona a filosofia e o cotidiano, tratando de temas como acomodação, flexibilidade para as mudanças, a pressa característica do mundo atual, aceleração do cotidiano, a falta de esperança das novas gerações, o excesso de informação. Cortella é autor ainda de Não espere pelo epitáfio...Provocações Filosóficas (Vozes Nobilis), A Escola e o Conhecimento (Editora Cortez) e Nos Labirintos da Moral (com Yves de la Taille, Papirus Editora).

Em meio a seus escritos, palestras e aparições na mídia, Mário Sérgio Cortella recebeu a equipe de Direcional Escolas para conversar sobre educação, família, informação, sociedade.

DIRECIONAL ESCOLAS – Qual o seu segredo para chegar tão próximo aos professores em suas palestras? 

MÁRIO SÉRGIO CORTELLA - Eu não uso a erudição como uma forma de humilhação das pessoas. Quando utilizada para a auto-promoção a erudição é uma forma de canalhice. Um dos meus prazeres maiores é buscar didatizar o que é erudito, de maneira que aquilo possa ser partilhado com as pessoas. Eu lido muito com a etimologia. Boa parte do meu trabalho numa palestra ou num escrito traz etimologicamente algumas explicações. Ao desvendar as etimologias, se retira uma parcela da aura eventualmente pedante que a erudição tola carrega. A erudição é algo a ser repartido, o erudito não se opõe ao popular, é uma outra maneira de pensar o mundo, é uma maneira complementar. É função do educador, ou do filósofo, ser capaz de explicar ao invés de complicar.. Aqui vai uma curiosidade etimológica: plec, em indo-europeu, que é a base lingüística dos idiomas, significa dobra ou dobrar. Explicar é desdobrar, complicar é dobrar de novo. Ora, não é tarefa da ciência complicar, é necessário explicar. Mas não dá para simplificar: sim em latim é único. Simples significa uma única dobra. Eu não posso transformar uma coisa complexa numa coisa simples, porque isso poderia significar a banalização do que está sendo estudado, mas eu posso transformar uma coisa complexa em algo explicável. Ou seja, um fenômeno como a educação, como a política, como a relação entre as classes sociais, é complexo. Eu quero explicar de maneira que, ao se desdobrar, ele possa ser visto sem grandes mistérios. O erudito, quando colocado num local superior, é apenas uma demonstração de poder. Não preciso dar demonstração de conhecimento para as pessoas, embora uma parte delas me procure, para minha alegria, porque supõe que eu tenha algum conhecimento a ser repartido. Eu não tenho todo conhecimento, mas algum eu tenho. Esse algum eu quero repartir e o que o outro tem eu quero absorver. Paulo Freire dizia uma frase, nem sempre bem compreendida: ‘Ninguém educa ninguém; as pessoas se educam reciprocamente, numa relação’. É claro que Paulo Freire não estava dizendo que ninguém educa ninguém. Você tem que continuar a frase, se parar no ‘ninguém educa ninguém’ parece que a educação não existe. Não podemos perder essa idéia dentro do processo pedagógico.

Não vivemos o fim da escola...
Ao contrário, até não gosto de alguns pensadores e educadores que hoje banalizam e desprezam a escola. Falam continuamente contra a escola e fazem aquilo que eu rejeito, que é a necropsia da escola. Eu não gosto de fazer necropsia da escola, mas de fazer biopsia da escola. A biopsia seria pegar aquilo que vivo está, examinar o que contém de problemas, para mantê-lo vivo. Já a necropsia serve apenas para identificar a causa mortis. Isso de nada resolve, pelo contrário. O desprezo pela escola formal serve imensamente às elites. Como essas elites têm acesso a outras formas de cultura letrada, a escola de uma certa maneira é muito secundária na vida das elites na sua formação quando jovem. A escola é muito lateral na formação do jovem da elite. Ele vai ao processo escolar apenas para uma certificação. Esse jovem viaja, vê filmes, tem internet banda larga, tem vários acessos a fontes de conhecimento.

Mas, na internet, e em outras fontes, ele não estaria apenas recebendo informação? A escola não seria o espaço para esse aluno receber conhecimento e não informação?

Depende da escola. A escola só consegue transformar informação em conhecimento se ela for capaz de passar autonomia e critérios. A escola trabalha com informação. O conhecimento quem constrói é o próprio indivíduo. A escola lida com o conhecimento quando ela favorece a transformação de informação em conhecimento pela forma de facilitação da compreensão de critérios, ou seja, da capacidade de seleção. Informação é cumulativa e conhecimento é seletivo. A escola pletora, incha, recheia o indivíduo de informações. Ao soterrá-lo de informações, ele precisa ter critérios do que precisa ficar com ele. Aqueles que desprezam a escolaridade formal favorecem aqueles que têm a escola como um mecanismo paralelo de acesso à informação para transformação em conhecimento. No entanto, boa parte da população, que são as camadas populares no nosso país, que em sua grande maioria freqüenta as escolas públicas, não tem tantas fontes de absorção de conhecimento letrado para o cotidiano dele. Isso significa que é uma posição absolutamente conservadora, e em vários momentos reacionária, desprezar a escola e criticá-la no sentido destrutivo. A palavra criterium, em grego, significa separar no sentido de escolher. Veio da agricultura, e identificava separar a palha do arroz, o feijão da pedra. Crítica, portanto, é fazer a seleção. Não existe crítica positiva ou negativa. O que existe é crítica construtiva ou crítica destrutiva. Uma crítica é sempre positiva e negativa, senão não é crítica. Ela é crítica exatamente porque ela separa o que serve do que não serve. O que caracteriza uma critica é a sua intenção. Acho absolutamente destrutivas algumas críticas que são feitas à escolaridade formal por parte inclusive de intelectuais que deveriam ter mais responsabilidade social.

E o que o senhor pensa de comparações que são feitas entre a escola pública e a particular? 

A questão séria no nosso país não é a escola pública versus a escola particular, mas é a escola boa versus a escola ruim. Quem entrar no circuito escola pública versus escola privada está entrando numa armadilha tonta. Escolas boas e ruins nós temos em ambos os campos. Não dá para comparar o ensino público com o privado: apenas 14% dos brasileiros que freqüentam uma escola estão em escolas privadas. Isso significa que 86% do atendimento é dado pela rede pública. Não dá para comparar. É como comparar a rede privada hospitalar de alto nível com o sistema público de atendimento. Uma escola tem que ter qualidade social, o que significa uma sólida base científica, formação de cidadania e consciência crítica de solidariedade. Uma escola que não tiver esses pontos, e que for voltada exclusivamente para o indivíduo em si, não formando o humano, é uma escola que não tem qualidade. Eu analiso qualidade como sendo qualidade social, em outras palavras como ética. E ética está conectada a política e política está conectada a estética. Tem que ser o bom e o belo. Nós queremos uma bela vida, uma bela sociedade, uma bela escola. Aquilo que Paulo Freire chamava com gosto de boniteza. Usando seu sotaque pernambucano ele dizia ‘a boniteza da vida e da escola’. Quando eu digo aquela é uma bela pessoa, não necessariamente estou me referindo à externalidade, à aparência dela, estou me referindo a ela como humano. A gente precisa cada vez mais de uma bela escola, seja ela pública ou privada. A comparação é absolutamente desfavorável no sentido inclusive estatístico. Comparam-se coisas totalmente diferentes.

Em que sentido a escola pública sai perdendo em termos de qualidade?

O que diferencia a escola pública da particular é o tipo de aluno que a freqüenta. Inclusive porque uma parcela significativa dos professores da rede pública dá aula também na rede privada. O aluno que ingressa na escola é vitimado no cotidiano social, por incapacidade econômica, por dificuldade de acesso a outras fontes de informação, por uma estrutura familiar depauperada. A grande diferença entre a escola pública e a privada não é a qualidade de ensino, é o aluno que a freqüenta. Elevar a condição desse aluno é elevar a condição da escola também. Uma parte do docente da escola pública muitas vezes no cotidiano também despreza a escola pública. Muitos docentes ameaçam o filho: ‘Você não está estudando? Vou te colocar na escola pública, aí você vai ver o que é bom na vida’. Ele está incentivando o ódio social, a diferença de classes como sendo um valor positivo.

Impõe-se a escola pública como um castigo ao aluno?

Sem dúvida. Me lembro quando fui secretário de educação em São Paulo, especialmente em 1991, quando havia uma crise econômica profunda, e uma parcela de pais e mães, que tinham seus filhos na rede privada, tiveram que colocá-los na rede pública. Víamos pais e mães na fila para matrícula, de cabeça baixa, envergonhados, como se levar um filho para uma escola pública fosse um demérito para si mesmo e para o filho fosse a aproximação do nono círculo do inferno de Dante, o destinado aos traidores. Eles estavam colocando o filho na escola pública não por escolha, o que deveria ser um direito constitucional. Numa democracia isso deveria ser uma escolha, mas no nosso país é um constrangimento. Deveríamos escolher se nosso filho fica na escola privada ou na pública, na confessional ou na laica. 

Essa lógica é muito negativa porque ela põe em prática o que eu chamo de pedagocídio. Vivemos um pedagocídio extremamente acelerado. Uma parte dele é movida por elites predatórias ou por camadas médias acovardadas, e uma parcela é responsabilidade nossa, docentes que, muitas vezes, insisto, desprezamos também a escola, seja ela pública ou privada. O que diferencia o público do privado não é como a escola é sustentada, se por uma mensalidade escolar ou por tributação. É o tipo de aluno que a frequenta. Tenho um exemplo concreto que ilustra bem essa questão. Eu nasci em Londrina, no norte do Paraná, e me mudei para São Paulo em 1967. Estudava lá numa escola pública, e vindo para cá fui estudar no colégio estadual Profa. Marina Cintra, na Rua da Consolação, onde fiz o término do antigo ginásio e todo o colegial, hoje Ensino Médio. Nós éramos quatro colegas: eu, filho de bancário com professora, Eduardo, que era filho de professora e de um diretor de uma empresa da área química, Carlos, que morava sozinho numa pensão na rua Augusta e tinha vindo de Minas Gerais, e Nelson, que precisava ajudar a sustentar os irmãos pois o pai tinha morrido. Hoje, o Nelson trabalha numa agência dos correios, o Carlos trabalha num bar, o Eduardo é jornalista e advogado e eu sou professor doutor. Nós tínhamos os mesmos professores, as mesmas provas, os mesmos livros, as mesmas aulas, as mesmas avaliações. Qual a lógica mais óbvia? Que eu e o Eduardo nos dedicamos mais que os outros. Claro que não. Embora a piscina fosse a mesma para os quatro, embora o tamanho da prova fosse o mesmo, nós dois estávamos mais preparados na hora de mergulhar na piscina. O que diferenciou nosso percurso não foi a piscina que era idêntica, mas o nosso preparo anterior e exterior à piscina. O que nós trouxemos de antes e o que nós fazíamos no dia-a-dia. Nós estávamos melhor alimentados, nossos pais eram alfabetizados, podíamos comprar todos os materiais escolares. Quando a professora de Geografia pedia para fazer um mapa, nós comprávamos papel transparente, podíamos desenhar com várias canetas, podíamos até comprar lápis de cor, raspar com gilete e derrubar o pozinho para fazer o mapa!

O senhor costuma contar uma história que seu pai o fazia ler o jornal Folha de Londrina todos os dias e depois lhe “tomava” as notícias.

É verdade. Essa lógica de pais alfabetizados, pais que viajam, pais que lêem jornal, famílias que têm um ambiente educativo, não necessariamente escolar, isso é decisivo na trajetória do aluno. Não significa que Carlos não pudesse escapar dessa sina de não poder ir além do balcão do bar, que é um lugar digno, mas ele poderia ter outra trajetória. Não dá para explicar pela capacidade interna do Carlos, dá para explicar pelas condições e chances que ele teve. Existem alguns casos que escapam, mas eles são tão raros que servem de exemplo. O Adriano, menino pobre que saiu da favela, é o melhor jogador da Internaziole. E os outros que ficaram na favela? Desses a gente não lembra, só lembramos das exceções. Milhares treinam todos os dias em todos os lugares. As causas do fracasso escolar são intra-escolares e extra-escolares. As causas extra-escolares se devem a condições sociais, políticas e econômicas. No entanto, existem causas intra-escolares, que é a inadequação, em muitos momentos, da nossa capacidade pedagógica, do modo como a escola está organizada para lidar com isso.

E o que fazer para melhorar as condições extra-escolares desses alunos?

A família é, de fato, um elemento fortíssimo para a formação escolar das crianças. Só vamos melhorar bastante a escolarização na escola fundamental se nós educarmos os adultos. A educação de jovens e adultos (EJA), especialmente a alfabetização, é um fator decisivo para a educação de crianças. Uma das grandes mudanças que o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) trará é incluir a EJA. Nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso muita coisa avançou na educação. Foi introduzida, por exemplo, uma discussão sobre a avaliação dos vários níveis, no ensino superior, no ensino médio e no fundamental. Isso estava largado no Brasil e o governo FHC trouxe à tona novamente. Também foram retomadas discussões sobre o financiamento, tal como foi o Fundef. Mas o Fundef produziu um sistema de exclusão. Ao colocar o financiamento da educação pública marcadamente no ensino fundamental excluiu a educação infantil de zero a seis anos e a EJA, para a qual as prefeituras se dedicavam prioritariamente. A EJA não estava vinculada ao Ministério da Educação e apareceu como uma questão de promoção social. Sem abrir mão dos avanços conseguidos no governo anterior, é necessário lembrar esse dado. Não é casual que em abril foi detectada uma diferença de 13 milhões de alunos entre o censo escolar e o levantamento indicado pelas escolas. O censo escolar apontou 43 milhões de crianças dentro das escolas. Os dados das escolas apontaram 56 milhões. São 13 milhões de alunos que sumiram do levantamento. Uma parte das prefeituras receberia o recurso de acordo com o número de alunos matriculados, portanto elas inflaram artificialmente o número de alunos. O Fundef trouxe a possibilidade da comunicação falsa de matriculados para os municípios poderem receber mais recursos. O Fundeb, que precisa ainda ser regulamentado e aperfeiçoado, avança nessa área, já que é um mecanismo de financiamento direto para a EJA e a Educação Infantil. Digo de novo: se nós não alfabetizarmos jovens e adultos, não conseguiremos melhorar a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. Porque um pai e uma mãe sem alfabetização não têm como fazer um acompanhamento no cotidiano. Pego um exemplo banal: meus três filhos aprenderem imensamente vocabulário e reflexões sentados no sofá, enquanto os pais conversavam. A família é uma instância fortíssima de educação e é uma poderosa correia de transmissão para a estrutura escolar, seja na escola pública, seja na escola privada.

Ainda a respeito da família, como o senhor analisa a carga de tarefas que as famílias têm delegado para as escolas?

A escola de maneira geral, e especialmente a escola pública que é majoritária, se tornou um local para atenção com a saúde, a alimentação, atenção psicológica, fonoaudiológica, etc. A necessidade de pais e mães estarem fora do recinto do lar, o tempo todo em atividade de trabalho, gerou uma condição em que parte das famílias resolveu se eximir do cuidado com os filhos. E, de repente, a escola, além de alimentar, banhar, cuidar da saúde, tem que fazer orientação sexual, orientação religiosa, projetos de ecologia, e assim por diante. O que alguns pais e mães vêm desejando, e que é uma coisa negativa, é terem personal mother e personal father, aquele profissional que fica no seu lugar para fazer as coisas, assim como temos personal trainer e personal stylist. Ora, isso é muito ruim. Especialmente a classe média faz isso com muita facilidade. Assim como delega tarefas para a babá, para uma empregada lavar, para outra passar, para outra cozinhar, aquelas atividades consideradas mais penosas, e que de fato são, se considera também a educação dos filhos uma coisa penosa, então ela é terceirizada. Essa terceirização, e que em algumas situações quando chega na escola é uma quarteirização, porque a escola delega para o professor, é uma situação tão impactante no cotidiano que temos hoje crianças que não conseguem conviver direito com o mundo adulto. Muitas famílias são até levianas. 

É óbvio que se compreende que pais e mães têm que se ausentar por muito tempo, especialmente nas grandes metrópoles. Há 30 anos São Paulo tinha 1 milhão e 800 mil habitantes, hoje tem 11 milhões. Nas metrópoles o congestionamento está disseminado. Pais e mães demoram mais para chegar em casa. Escolas inteligentes, sejam elas privadas ou públicas, fazem uma parceria com pais e montam escolas de pais, não admitem que os pais se ausentem. É preciso educar a família. Não estou falando da escola da família, o projeto desenvolvido pelo governo do Estado de São Paulo. Estou falando de educar os pais, fazer congresso de pais, levá-los a debates, chamá-los para atividades. Há pais e mães que se habituaram ao modelo de só ir à escola quando são chamados para serem repreendidos, ou para fazer uma reclamação ou quando é hora de receber os dados de desempenho do filho. Nessa hora, os norte-americanos são estupendos, porque eles têm uma visão de sociedade mais comunitária. O pai e a mãe participam mesmo da escola privada. Nossa escola também não está habituada a ter os pais no dia-a-dia lá dentro. Nós nos consideramos, eventualmente de maneira bastante arrogante, especialistas em educação. Especialistas somos, mas não os únicos. Pais e mães também são. Talvez pais e mães não sejam especialistas em educação escolar, que é o que nós somos. Mas nós não somos especializados em educação em geral. Eu sou um educador mas nunca alfabetizei alguém. Assim como não se imagina que alguém só porque é medico faça transplante cardíaco, ou alguém só porque é engenheiro civil consiga fazer um túnel do metrô. Nós, educadores e educadoras, temos um âmbito de atuação na educação escolar. Agora, pais e mães também entendem de educação. 

Toda vez que se faz essa separação, a família de um lado e a comunidade docente de outro, é claro que não se pode ter sucesso. A escola está soterrada de tarefas. A família precisa receber da escola uma clareza em relação a isso para que assuma algumas coisas. E aí alguns pais e mães dizem que não têm tempo. Tempo é uma questão de prioridade. Quando eu digo que não tenho tempo para você eu estou dizendo que não escolhi você. Pode ser que eu não tenha todo o tempo, mas algum tempo eu tenho. Ao dizer que eu tenho esse tempo, eu estou fazendo uma escolha, eu disse não para outras coisas. Se eu não tenho tempo para os meus filhos o que eu estou escolhendo? É essa a pergunta que os pais têm que se fazer.

Voltando à questão da crítica, de selecionar a informação, hoje a escola está fazendo isso bem?

Não, a escola não está fazendo bem. Nós não estamos vivendo a era do conhecimento, sempre vivemos a era do conhecimento senão teríamos perecido. O que vivemos hoje é a era da informação em altíssima velocidade e quantidade. Isso inundou de tal maneira o nosso cotidiano, que a escola ainda não conseguiu administrar essa profusão. Para se ter essa idéia, em 2006 completam-se 10 anos da ovelha Dolly, e faz quatro anos que ela morreu. Quando a Dolly estava sendo criada, eram poucos os que tinham celular, não usávamos internet, não existia DVD. Da criação da Dolly até a sua morte, tivemos o aparecimento de tecnologias de difusão da informação inéditas, cujo impacto se assemelha ao que aconteceu no século XV com o tipo móvel do Gutemberg. Não é casual que o Renascimento explodiu como cultura. Antes, levava dois anos para 20 monges copistas fazerem 10 exemplares de um livro. Só nos primeiros cindo anos depois da invenção do tipo móvel, se produziram mais de 20 milhões de livros na Europa. Essa é uma diferença brutal em que a quantidade acelera a qualidade. Hoje o número de informações que temos é muito difuso e, muitas vezes, irrelevante. Uma parte de nós fica sabendo quanto ganha um jogador de hóquei no Canadá, que uma mulher teve quíntuplos na Tasmânia, qual o nome que se dá a uma doença que apareceu em borboletas da Polinésia, enfim, coisas absolutamente irrelevantes no nosso cotidiano. E as pessoas acham que precisam saber isso o tempo todo, o que não é verdade. Informação é seleção. Comer bem não é comer muito. Comer bem é comer de forma selecionada. O que estamos produzindo é obesidade mórbida. As pessoas precisam ter critério de seleção. Um aluno precisa ser formado para entrar numa livraria e não tomar um susto, e não achar que tem que ler tudo aquilo, inclusive porque muito do que se escreve é bobagem. Não confunda novo com novidade. Tem muita coisa que é mera novidade, que é fugaz. O novo vem, se implanta e fica. Paulo Freire é novo, não é novidade. O novo é aquilo que revoluciona e permanece. A escola tomou um susto com a avalanche de novidade que há no cotidiano.

Acontece o mesmo com a ânsia em se instalar equipamentos tecnológicos na escola?

Tecnologia é fundamental. Tecnologia é ferramenta. E ferramenta é ferramenta. Eu não tenho uma escada para ficar na escada, mas para ir a algum lugar. Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve, já dizia o gato da Alice no País das Maravilhas. As pessoas ficam aprisionadas pela questão da tecnologia. É possível dar uma boa aula sem tecnologia? Sem dúvida. É possível dar uma aula melhor ainda com tecnologia? Sem dúvida. Só que eu preciso saber dar aula. Quem sabe cozinhar, cozinha em fogão a lenha. Se sabemos fazer, então escolhemos a tecnologia.

Outro exemplo: um dia entrei na sala de casa, e vi meu filho, então com 14 ou 15 anos, e mais oito colegas, todos da escola pública onde ele estudava. Fiz aquele cumprimento geral e voltei, porque percebi que havia um adulto junto. Era a professora de português deles, discutindo Machado de Assis. Essa professora estava dando uma formação estupenda a esse grupo. Ela não precisava de tecnologia. É claro que a tecnologia permitiria coisas ótimas. Sendo a tecnologia uma ferramenta, ela tem que ser colocada à disposição de todos, porque é um bem de produção, que pertence ao conjunto da humanidade. Cada vez que eu furto a alguém a possibilidade de ter um bem de produção, essa pessoa produz menos para si. Por isso, tecnologia não pode ser deixada de lado, mas ela em si não resolve. Quando visito escolas e o diretor quer me levar na sala de informática, eu peço primeiro que ele me leve na sala dos professores, depois no banheiro da escola, na cantina, peço que me mostre o plano pedagógico e por último quero ver a sala de informática. Porque computador tem em qualquer lugar, até no shopping.
Entrevista publicada na Revista Direcional Escolas Edição 16 - maio/2006 


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Entrevista em uma rádio com Mário Sérgio Cortella, onde ele fala sobre Educação x Escolarização:



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